O sino
A igreja fica ao pé de um cemitério onde está sepultada uma rapariga que se chamava Unichetta.
Para se ver o sino, que é o mais velho da montanha, há um campanário que deve ter metro e meio de largura com duas escadas de mão que se enfiam primeiro num buraco: daqui sai a segunda que leva lá acima.
Ninguém sabe quem a fez e em que ano.
Um dia veio de Santarcangelo um homem de uns oitenta anos que é explorador de palavras escritas nos livros antigos ou nas pedras.
Um amigo de Pennabilli devagarinho ajudou-o a subir os degraus da primeira e da segunda escada até chegarem lá acima mortos de cansados e todos cheios de pó.
Assim que o professor viu aquele sino suspenso no meio da arcada que dá para o precipício, abraçou-o e manteve-o apertado durante dez minutos como se fosse um filho que tornasse da guerra.
Depois largou-o e ele e o outro desceram as escadas com todas as precauções.
Mal acabou de descer, sacudiu com grandes palmadas o pó do casaco e entretanto dizia que o sino o construíra Iacobus Aretinus em 1316. Como resolveu o problema só Deus sabe, porque, do lado que se via, o sino era liso e sem datas.
Soube-se um ano depois. Contou que a escrita no bronze estava do outro lado e ele lera uma letra de cada vez com os dedos. Por isso o abraçara, e não por outra coisa qualquer.
Tonino Guerra, O livro das igrejas abandonadas
Nota: Unichetta lê-se Uniquetta