segunda-feira, janeiro 23, 2006

O sino


A igreja fica ao pé de um cemitério onde está sepultada uma rapariga que se chamava Unichetta.

Para se ver o sino, que é o mais velho da montanha, há um campanário que deve ter metro e meio de largura com duas escadas de mão que se enfiam primeiro num buraco: daqui sai a segunda que leva lá acima.

Ninguém sabe quem a fez e em que ano.

Um dia veio de Santarcangelo um homem de uns oitenta anos que é explorador de palavras escritas nos livros antigos ou nas pedras.
Um amigo de Pennabilli devagarinho ajudou-o a subir os degraus da primeira e da segunda escada até chegarem lá acima mortos de cansados e todos cheios de pó.

Assim que o professor viu aquele sino suspenso no meio da arcada que dá para o precipício, abraçou-o e manteve-o apertado durante dez minutos como se fosse um filho que tornasse da guerra.

Depois largou-o e ele e o outro desceram as escadas com todas as precauções.

Mal acabou de descer, sacudiu com grandes palmadas o pó do casaco e entretanto dizia que o sino o construíra Iacobus Aretinus em 1316. Como resolveu o problema só Deus sabe, porque, do lado que se via, o sino era liso e sem datas.

Soube-se um ano depois. Contou que a escrita no bronze estava do outro lado e ele lera uma letra de cada vez com os dedos. Por isso o abraçara, e não por outra coisa qualquer.



Tonino Guerra, O livro das igrejas abandonadas


Nota: Unichetta lê-se Uniquetta

terça-feira, janeiro 17, 2006

Sabedoria




Allegoria di saggezza e forza, Paolo Veronese (1580)




Para vir a saborear tudo,
não queiras ter gosto em nada.
Para chegar a saber tudo
não queiras saber algo em nada.
Para chegar a possuir tudo,
não queiras possuir algo em nada.
Para chegar a ser tudo,
não queiras ser algo em nada.

(...)

Quando já não o queria,
tenho tudo sem querer.
Quanto mais eu tê-lo quis,
com quanto menos me vejo.
Quanto mais buscá-lo quis,
com quanto menos me vejo.
Quando menos o queria,
tenho tudo sem querer.
Já por aqui não há caminho,
porque para o justo não há lei;
para si ele é a lei.

S. João Da Cruz
(Para o JTM)

Continuação de bons anos a todos: apareçam!

Teodoro